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Idosos que usam piercings e tatuagens

Viúva há três anos, Judith Caggiano precisava aprender a sorrir e a sair de casa sozinha. Depois de cinco décadas dedicadas ao casamento, a morte do m

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Viúva há três anos, Judith Caggiano precisava aprender a sorrir e a sair de casa sozinha. Depois de cinco décadas dedicadas ao casamento, a morte do marido possessivo, mas excelente pai, ela garante: encerrou um ciclo. “Virei dona da minha própria vida aos 72 anos”.

Como um inusitado contraste aos cabelos brancos, uma tatuagem tribal foi o desenho escolhido para marcar a fase. Naregião da nuca, a “Liberdade”, como chama a primeira tatuagem, dividiria espaço, no futuro, com outras 67, que ela exibe hoje com orgulho, aos 82 anos.“Meu casamento foi maravilhoso, mas não era nada do que eu esperava. Ainda assim cumpri meu papel e criei nossos filhos”, desabafa Judith.

O novo visual, composto por 18 piercings, anéis em todos os dedos e um generoso decote, que certamente seria desaprovado pelo falecido marido, segundo ela, está muito longe dos hábitos que mantinha quando casada. A única peça que trouxe da antiga fase foi o saiote, uma espécie de forro que ainda usa por baixo de saias e vestidos. Veja sua opinião sobre a vida:

  • “Não tenho amigas com a minha idade, só conhecidas. Mulher muito velha só fala de doença e dores. Fico com os jovens porque eles falam a minha língua, tá ligada?”, explica a senhora, exibindo um vasto cardápio de gírias jovens, todas coletadas nas baladas que frequenta;
  • No corpo, desenhos de estrelas cobrem o ombro e braço direito e representam os filhos, netos e bisnetos. Nas costas, leva uma fada e um sol durante o amanhecer. “Apresento ela como a safada. Falo tão rápido que ninguém percebe. E o sol representa o início da manhã, quando chego da balada”;
  • “Idade pra mim é um número e tatuagem é avanço. Morte? Sei que tenho um prazo de validade. Vou lá saber quando vou vencer, meu. Minha vida é linda.”

Questionada se já sofreu preconceito pelo visual irreverente, Judith faz uma breve pausa e responde:“Se sofri, não percebi. Meu sorriso vai na frente”. Para ela, as tatuagens e os piercings não são fundamentais, mas ajudaram a expor ao mundo e aos familiares a real personalidade. Velhice e morte não ocupam o pensamento da dona de casa.

Noel metaleiro

A relação entre Vitor Sanchez, de 59, e as tatuagens não começou na terceira idade, mas é um exemplo sobre o futuro dos jovens tatuados. A corriqueira pergunta “mas e quando você ficar velho?” não passou pela cabeça quando ele pisou num estúdio, aos 33 anos. Apaixonado por desenhos, Vitor iniciou sua saga com até três tatuagens por semana, entre 25 profissionais, até alcançar 94% do corpo tatuado. A dor e o longo processo de cicatrização valeram a pena para apenas ser um cara diferente na multidão. Veja:

“Foi uma febre e nunca gastei nada com isso. Eu olhava para a minha mão e pensava que no dia seguinte nasceria com outra”, conta.

Todos os desenhos são assinados por artistas, por isso, ele nunca gastou com tatuagens. O custo de todo o trabalho seria de aproximadamente R$ 80 mil, calcula. Entre a miscelânea de temas, o mais simbólico ocupa o braço esquerdo: figuras natalinas. Conhecido como o Papai Noel Tatuado na região de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, Sanchez vive a versão metaleira do bom velhinho. No final do ano, encarna o personagem em um shopping na zona norte da capital.

Ao contrário de Judith, Sanchez disse ter sofrido constrangimentos pelo visual que escolheu.“Trabalhava num escritório de publicidade e perdi o emprego por isso. Em outra ocasião, em um banco, fui acusado de fraudar um cheque. Tudo pela minha aparência”, explica. No entanto, ele acredita que o preconceito perderá força diante de tantos tatuados na sociedade.

“Vestidinho de papai noel [com as tatuagens cobertas] pais e crianças me adoram. Mas garanto que a reação não seria a mesma se meu corpo aparecesse”.

A paixão de Sanchez pelas tatuagens já conquistou seus dois filhos, de 21 e 14 anos. O mais novo promete que tatuar todo o braço quando alcançar a maioridade. Envelhecer com os desenhos é motivo de orgulho à Sanchez. “Se eu chegar aos 80 anos, como a Judith, vou ser um cara muito feliz”.

Expressão na pele

Para o experiente tatuador Sergio Maciel, o Leds, fundador do estúdio com o mesmo nome, na Zona Sul da capital, o número de velhinhos modernos e descolados irá aumentar. Veja:

  • “Tenho muitos clientes com mais de 60 e 70 anos, eles querem expressar liberdade. E o discurso é sempre o mesmo: queriam ter feito antes, mas esperaram por medo”. Estima-se que, entre os clientes que entram no estúdio por dia, ao menos três estão na terceira idade;
  • Leds acredita que a sociedade conviverá com tantos idosos tatuados que o cenário passará a ser comum, e deixará de despertar olhares tortos nas ruas. “Hoje já encontramos tatuagens em todos os seguimentos, médico, chefe de cozinha, modelo e dona de casa. Ela nunca determinou o caráter ou potencial de alguém, mas virou um acessório, como uma joia”.

Equipe Comportamento e Saúde

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